Após ser liberado a vacinação de crianças para COVID no início deste ano, houveram casos de divergências ideológicas entre pais separados, e isso tem causado muitos debates dentro e fora dos tribunais.
Geralmente são analisados os argumentos de cada uma das partes e cabe ao pai ou mãe recorrer ou não da decisão.
O regime em vigor da guarda do menor deve ser observado. No caso da guarda unilateral, a decisão acerca da aplicação ou não da vacina poderá ser definida pelo genitor que detém a guarda da criança.
Os maiores problemas ocorrem quando há guarda compartilhada, em que, a princípio, ambos os genitores possuem iguais poderes e podem definir em conjunto qual conduta tomar, não somente acerca da convivência, mas de todas as decisões e responsabilidades sobre os filhos.
E isso inclui condutas de saúde e também médicas.
Se não houver consenso, a questão poderá ser judicializada. E isso inclui a questão da administração de vacinas não obrigatórias, como é o caso da vacina contra a Covid.
Nesse processo, que contará com a participação do Ministério Público, a definição sobre a questão deve ser controvertida entre os pais.
Mas antes de entrar com processo, é importante que os pais dialoguem sobre a vida do menor e tentem chegar a um acordo, sem necessidade de levar o assunto às vias judiciais.
Em todos os casos, ouvir o pediatra da criança é essencial, para se averiguar se o menor possui alguma intercorrência ou condição especial que determine a ação de uma ou outra conduta.
Embora não faça parte do Plano Nacional de Imunização (PNI), a vacina contra o coronavírus em crianças é recomendada pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa.
Há quem defenda que vacinar ou não os filhos seja uma questão de particular importância que deve ser decidida pelos pais da criança ou em caso de desacordo, pelo juiz.
Por outro lado, há quem considere que trata-se de uma questão de vida corrente, e que pode ser decidida apenas pelo genitor que detém a guarda, precisamente por não existir fundamento para tratar como uma questão grave e rara na vida da criança.
Sobre “questões de particular importância” entende-se pela jurisprudência que são aquelas que se encontram relacionadas com o núcleo essencial da vivência da criança, nomeadamente com a sua saúde, segurança, desenvolvimento e formação, ou seja, reportadas a assuntos com relevância grave e rara.
Por isso, ainda não se sabe se a vacinação das crianças contra Covid deve ser considerada questão nuclear, com uma relevância decisiva para a vida dos filhos, que é a justificativa desse enquadramento.
No caso da criança estar incluída no grupo de risco, em caso de desacordo, a questão deverá ser tratada como questão de particular importância, devendo ser baseada em indicação médica e decidida através do meio processual próprio para a resolução de litígio por falta de acordo dos pais.
Se a criança não estiver no grupo de risco, a decisão pode ser tomada pelo progenitor guardião tranquilamente.
O artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.”; mas não discrimina quem são essas autoridades sanitárias.
Como a vacina do Covid foi incluída pelo Ministério da Saúde no Plano Nacional de Operacionalização, alguns juristas entendem que a vacinação é obrigatória mas outros não, pois não foi incluída no Plano Nacional de Vacinação.
No Enunciado 26, que foi aprovado no último Fórum Nacional da Justiça Protetiva (FONAJUP) ficou destacado que “Os pais ou responsáveis legais das crianças e dos adolescentes que não imunizarem seus filhos, por meio de vacina, nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, inclusive contra Covid-19, podem responder pela infração administrativa do art. 249 do ECA (multa de 3 a 20 salários mínimos e/ou estarem sujeitos à aplicação de uma ou mais medidas previstas no artigo 129 do ECA)”.
Há juristas que defendem que caso o menor não seja imunizado, o progenitor que tem a guarda pode perdê-la.
Um menino de 12 anos ganhou na Justiça o direito de se vacinar contra a Covid-19 apesar das alegações do pai contra o imunizante e qualquer informação relacionada ao vírus. O caso aconteceu na Holanda, onde crianças de 12 a 17 anos podem escolher serem vacinadas desde que tenham a permissão dos pais.
O garoto, que tem pais separados, tinha o apoio somente da mãe para se vacinar, e escolheu se vacinar para ir com segurança visitar sua avó, que possui um câncer de pulmão em estágio avançado.
O caso foi julgado pelo juiz Bart Tromp, do Tribunal Distrital de Gronigen, que concedeu a permissão para que ele fosse vacinado.
O juiz ainda acrescentou que os interesses do menino eram muito mais importantes do que qualquer recurso que os advogados do pai pudessem recorrer.
“O menino queria ser vacinado porque não queria ser infectado e queria limitar as chances de infectar outras pessoas”, afirma um trecho dos documentos do tribunal.
Ao juiz, o pai do garoto argumentou que as vacinas “ainda estavam em fase de testes” e que trariam “grandes riscos para os órgãos reprodutivos a longo prazo”. Mas, sem base científica, o juiz ignorou as alegações.
De acordo com a lei holandesa, juízes podem tomar decisões referente aos interesses das crianças e adolescentes quando seus pais não entram em um acordo.
No Brasil, ocorreu um caso semelhante, no Rio de Janeiro. Fernanda foi casada por 11 anos, e tem um filho de 8 anos, e recebeu uma notificação extrajudicial pelo advogado do marido, que informava a discordância do pai em vacinar o filho do casal.
No documento, o pai do garoto enumera suas razões para se opor à vacinação infantil e diz que não é antivacina, já que ele próprio foi imunizado, mas sua preocupação é por ser uma vacina experimental, e que efeitos colaterais e possíveis danos à saúde poderiam arriscar o desenvolvimento futuro do filho.
No texto da notificação, o pai foi categórico ao afirmar que não autoriza a mãe da criança a levá-la para tomar vacina. O casal tem regime de guarda compartilhada do filho.
A mãe entrou com pedido judicial para poder levar o filho para tomar a vacina, e a promotora de justiça do caso recomendou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a vacinação do menor. No mesmo dia, a justiça concedeu uma liminar favorável ao pedido da mãe e o pai decidiu por não recorrer da decisão.
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